Era novembro. Um novembro de verão, desses em que as crianças correm pelas ruas levantando poeira com suas brincadeiras. Os risos infantis corriam independentes dos choros abafados de uma ditadura que ainda perdurava neste 1983 cinza . Ano das longas listas das multinacionais cheias de gente transformada em números, números que alimentavam as estatísticas de demitidos políticos. Minha mãe, barrigão, matava os desejos da gravidez com sorvete de frutas e muita limonada. Meu pai não conseguia matar a insônia de preocupação que o perseguia todas as noites. Mamãe, com três filhas, a quarta na barriga, queria um menino. Sonhava com o garoto que ia vir, e que ela chamava Rafael. Meu pai, doido por mais uma menina, do seu canto, faz a proposta: “se for garota, eu escolho o nome”. No dia 17, depois de uma longa noite em que a criança, para desgraça da mãe, não queria nascer de jeito nenhum, o doutor resolve tomar medidas drásticas: tirou à força a menina sonhadora da barriga da D. Elisabete e a...